Por que Brasil e China estão fortalecendo suas relações comerciais — e o que isso significa para a indústria cafeeira brasileira.
Enquanto os Estados Unidos intensificam sua retórica protecionista e impõem tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, o Brasil está, de forma estratégica e silenciosa, fortalecendo sua parceria com seu maior parceiro comercial: a China. Essa reconfiguração diplomática e comercial tem implicações diretas para a indústria cafeeira brasileira, que agora enxerga no mercado chinês não apenas uma alternativa segura, mas uma oportunidade de expansão sem precedentes.
Novos ventos no comércio internacional
Em um cenário global marcado por tensões geopolíticas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adotado uma postura pragmática ao buscar acordos bilaterais que blindem a economia brasileira das incertezas internacionais. Em maio de 2025, Lula visitou Pequim para assinar uma série de acordos voltados ao fortalecimento da cooperação econômica entre os dois países, com destaque para investimentos em infraestrutura, energia limpa e, especialmente, o agronegócio.
Esse movimento ocorre em paralelo ao aumento das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Com a entrada em vigor, em 6 de agosto, das novas tarifas americanas sobre produtos brasileiros — inclusive o café — a busca por novos mercados se tornou não apenas estratégica, mas vital.
Café brasileiro conquista espaço na China
No dia 30 de julho, a Embaixada da China no Brasil anunciou a aprovação de 183 novas empresas brasileiras para exportação de café ao mercado chinês. Com validade de cinco anos, essa certificação representa um salto significativo no acesso ao mercado chinês, que já vinha demonstrando um apetite crescente pelo café brasileiro.
Segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o Brasil exportou 1,64 milhão de sacas de 60 kg de café para a China durante a safra 2023-2024 — um aumento de impressionantes 186,1% em relação ao ano anterior. Este foi o maior crescimento percentual entre todos os destinos de exportação do café brasileiro.
Café como símbolo de uma nova era commercial
Historicamente associado ao consumo de chá, o mercado chinês vive uma verdadeira transformação cultural. O aumento da renda, a urbanização acelerada e a influência do estilo de vida ocidental têm impulsionado o consumo de café, especialmente entre os jovens. Nesse contexto, o Brasil, como maior produtor mundial, está posicionando-se para suprir essa demanda crescente com qualidade e escala.
O envolvimento da gigante chinesa Luckin Coffee nesse processo é um marco relevante. Após assinar um memorando com a ApexBrasil em 2024, a empresa anunciou, em maio de 2025, que passará a utilizar exclusivamente blends de espresso com café brasileiro. Hoje, a Luckin responde por quase 50% das importações de café da China e por mais de 60% das compras chinesas de café brasileiro.
Além disso, a Luckin lançou recentemente a segunda edição do Festival da Cultura do Café do Brasil, reforçando a dimensão cultural da parceria bilateral. O evento não apenas promove o café como produto, mas também destaca a conexão entre as duas nações, celebrando 50 anos de relações diplomáticas.
Muito além do comércio: uma aliança estratégica
O estreitamento dos laços entre Brasil e China vai além do café. Ambos os países compartilham uma visão de mundo multipolar e têm investido em mecanismos de cooperação Sul-Sul. A China, por sua vez, enxerga no Brasil uma alternativa sólida para diversificar sua base de segurança alimentar, reduzindo sua dependência de fornecedores como Estados Unidos e Austrália.
Os acordos bilaterais assinados recentemente também envolvem áreas como energia renovável, infraestrutura de 5G, fintechs e até projetos de moeda digital no âmbito dos BRICS. A atuação do Banco de Desenvolvimento da China e a continuidade da Huawei no Brasil, mesmo sob pressão americana, mostram como essa aliança está se concretizando em investimentos reais.
Desafios e oportunidades para o café brasileiro
Apesar do otimismo, a entrada no mercado chinês não é isenta de desafios. A rigorosa regulamentação sanitária da China exige adaptações por parte dos exportadores brasileiros, tanto em padrões de qualidade quanto em embalagens e perfis de sabor. O consumidor chinês valoriza rastreabilidade, sustentabilidade e originalidade — fatores que os produtores brasileiros estão cada vez mais integrando às suas estratégias.
Em contrapartida, enquanto os mercados da União Europeia e dos EUA impõem restrições severas relacionadas ao desmatamento e à sustentabilidade, a China oferece um ambiente mais flexível, mas altamente competitivo. A aposta é que o Brasil consiga não apenas vender volumes expressivos, mas também moldar o gosto do consumidor chinês, consolidando sua posição como líder em qualidade e origem.
um novo capítulo na história do café
O café, que outrora ocupava um papel secundário nas exportações brasileiras para a China, está se tornando um símbolo de uma nova era de colaboração entre as duas potências emergentes. Mais do que uma resposta às tensões com os Estados Unidos, a aproximação Brasil-China é uma estratégia de longo prazo que promete transformar profundamente a geografia do comércio global.
Se bem-sucedida, essa aliança pode servir de modelo para outras nações agrícolas que buscam proteger seus interesses e ampliar sua influência no Sul Global. Para o café brasileiro, o futuro está cada vez mais orientado para o Oriente — e as sementes desse novo ciclo já começaram a germinar.
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