Nos últimos anos, o cenário global tem sido marcado por incertezas comerciais, disputas geopolíticas e uma reconfiguração das alianças estratégicas entre países. Em meio a esse ambiente instável, o Brasil tem adotado uma postura pragmática e inteligente: fortalecer seus laços com a China, seu maior parceiro comercial desde 2009. E um dos protagonistas dessa nova fase da relação bilateral é o café.
Um Momento Estratégico
Enquanto os Estados Unidos intensificam a retórica sobre tarifas comerciais e criam tensões com a China, o Brasil se movimenta silenciosamente para garantir estabilidade e crescimento. Em maio de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Pequim e assinou uma série de acordos bilaterais com foco em infraestrutura, energia limpa e, especialmente, no agronegócio.
A visita aconteceu em um momento oportuno. Com o mundo atento aos desdobramentos da política comercial norte-americana, o Brasil aproveitou a chance para se apresentar à China não apenas como fornecedor de matérias-primas, mas como um parceiro estratégico nas áreas agrícola e industrial.
O Café Como Símbolo da Cooperação
Historicamente associado ao consumo de chá, a China tem vivenciado um verdadeiro “boom” no consumo de café, impulsionado por um estilo de vida urbano, aumento da renda e apoio do governo ao setor cafeeiro. Em 2024, as importações chinesas de grãos de café verde atingiram níveis recordes. O Brasil, maior produtor mundial de café, viu suas exportações para a China crescerem mais de 180% em um ano.
Esse crescimento levou à assinatura de um memorando de entendimento (MoU) entre os dois países com foco exclusivo no café. O acordo prevê aumento nas exportações brasileiras, cooperação técnica, desenvolvimento de pesquisas sobre cultivo resistente ao clima e troca de experiências em processamento e varejo.
Parcerias Estratégicas: O Caso Luckin Coffee
Um exemplo concreto dessa nova fase da cooperação é a parceria entre a rede chinesa Luckin Coffee e o Brasil. A empresa, que já rivaliza com a Starbucks no mercado chinês, anunciou que passará a utilizar exclusivamente café brasileiro em seus blends de espresso. Além disso, firmou um acordo para comprar 120 mil toneladas de café do Brasil até 2026, num negócio estimado em 500 milhões de dólares.
Em 2025, a Luckin lançou a segunda edição do “Festival da Cultura do Café do Brasil” na China, promovendo não só a bebida, mas também os laços culturais e econômicos entre os dois países. O evento celebra os 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China e reforça a ideia de que essa parceria vai muito além do comércio: trata-se também de uma afinidade política e cultural.
Mais do que Volume: Influência e Presença
Os produtores brasileiros de café não estão interessados apenas em vender mais. Eles querem construir uma presença duradoura no mercado chinês. Para isso, estão investindo em campanhas publicitárias em mandarim, parcerias com plataformas de e-commerce e tecnologias de rastreabilidade digital, atendendo à crescente demanda chinesa por transparência e sustentabilidade.
A meta é clara: fazer com que o café brasileiro se torne parte da cultura de consumo da China. Em um momento em que mercados tradicionais como a União Europeia e os Estados Unidos impõem regras ambientais cada vez mais rígidas, a China surge como um mercado dinâmico, de alto crescimento e com menos barreiras regulatórias.
Desafios e Oportunidades
Apesar do otimismo, o caminho não é livre de desafios. A China possui regras sanitárias rigorosas e gostos distintos dos consumidores ocidentais. Isso exige adaptação por parte dos exportadores brasileiros, tanto em sabor quanto em embalagem.
Ainda assim, o cenário é promissor. A parceria com a China pode ser a chave para o Brasil fortalecer sua posição global como potência agrícola e industrial. E mais: pode servir de modelo para outros países do Sul Global que buscam diversificar mercados e reduzir a dependência de nações desenvolvidas.
A relação entre Brasil e China está entrando em um novo patamar. O café, que por muito tempo foi apenas um produto de exportação, agora se torna símbolo de uma cooperação estratégica, econômica e cultural.
Se o Brasil conseguir manter o equilíbrio entre diplomacia, inovação e qualidade, o país terá não só um mercado gigante para seus produtos, mas também um aliado importante na construção de uma nova ordem global mais multipolar e equilibrada.